Saturday, 18 de January de 2025, 23:58h
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O maior autor regionalista gaúcho nasceu em 9 de março de 1865 e morreu no dia 14 de junho de 1916.
Portanto, neste dia 14 de junho está fazendo 103 anos de sua morte. Para homenageá-lo, transcrevo abaixo um dos seus contos mais conhecidos, o “Mate do João Cardoso”, do livro Contos Gauchescos. Tenham uma boa e divertida leitura.
O Mate do João Cardoso
(Contos Gauchescos – J. Simões Lopes Neto)
- A La Fresca!.... que demorou a tal fritada! Vancê reparou?
Quando nós apeamos era a pino do meio-dia... e são três horas, largas...Cá pra mim esta gente esperou que as franguinhas se puseram galinhas e depois botassem, para depois apanharem os ovos e só então bater esta fritada encantada, que vai nos atrasar a troteada, obra de duas léguas...de beiço!...
Isso até me faz lembrar um caso...Vancê nunca ouviu falar do João Cardoso?...Não?...É pena.
O João Cardoso era um sujeito que vivia por aqueles meios do Passo da Maria Gomes: bom velho, muito estimado, mas chalrador como trinta e que dava um dente por dois dedos de prosa, e mui amigo de novidades.
Também... naquele tempo não havia jornais, e o que se ouvia e se contava ia de boca em boca, de ouvido para ouvido. Eu o primeiro jornal que vi na vida foi em Pelotas mesmo, ai por 1851.
Pois, como dizia: não passava andante pela porta ou mais longe ou mais adiante, que o velho João Cardoso não chamasse risonho, e renitente como mosca de ramada: e aí no mais já enxotava a cachorrada, e puxando o pito detrás da orelha, pigarreva e dizia:
Olá amigo! apeie-se: descanse um pouco! Venha tomar um amargo! É um instantinho...crioulo?!...
O andante, agradecido à sorte, aceitava... menos algum ressabiado, já se vê.
Então que há de novo? (E para dentro de casa, com uma voz de trovão, ordenava:) Oh! Crioulo! Traz mate!
E já se botava na conversa, falava, indagava, pedia “as novas”, dava as que sabia; ria-se, metia opiniões, aprovava umas cousas, ficava buzina com outras...
E o tempo ia passando. O andante olhava para o cavalo, que já tinha se refrescado; olhava para o sol que subia ou descambava... e mexia o corpo para levantar-se.
- Bueno! São horas, seu João Cardoso; vou marchando!...
- Espere homem! É um instantinho! Oh! Crioulo, olha esse mate!
E retornava a charla. Nisto o crioulo já calejado e sabido, chegava-se manhoso e cochichava no ouvido:
- Senhor, não tem mais erva!...
- Traz dessa mesma! Não demores crioulo!...
E o tempo ia correndo, como água de sanga cheia. Outra vez o andante se aprumava:
- Seu João Cardoso, vou-me tocando... Passe bem!
- Espera, homem de Deus! É enquanto a galinha lambe a orelha!... Oh! Crioulo!... olha esse mate, diabo!
E outra vez o negro, no ouvido dele:
- Mas senhor!... não tem mais erva!
- Traz dessa mesma, bandalho!
E o carvão sumia-se largando sobre o paisano uma riscada do branco dos olhos, como escarnicando...
Por fim o andante não aguentava mais e parava patrulha:
- Passe bem, seu João Cardoso! Agora vou mesmo. Até a vista!
- Ora, patrício, espere! Oh crioulo. Olha o mate!
- Não! Mande vir. Obrigado! Pra volta!
- Pois sim... porém dói-me que você se vá sem querer tomar um amargo neste rancho. É um instantinho...oh! crioulo!
Porém o outro já dava de rédea, resolvido à retirada.
E o velho João Cardoso, acompanhava-o até a beira da estrada e ainda teimava:
- Quando passar, apeie-se! O chimarrão, aqui, nunca se corta, está sempre pronto! Boa viagem! Se quer esperar... olhe que é um instantinho... Oh! Crioulo!...
Mas o embuçalado já tocava a trote largo.
Os mates do João Cardoso criaram fama... A gente daquele tempo, até, quando queria dizer que uma cousa era tardia, demorada, maçante, embrulhona, dizia: - está como o mate do João Cardoso.
A verdade é que em minha casa e por muitos motivos, ainda às vezes parece-
me escutar o João Cardoso, velho de guerra, repetir ao seu crioulo:
- Traz dessa mesma, diabo, que aqui o Sr. tem pressa!...
- Vancê já não tem topado disso?...
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